O advogado tributarista Gláucio Manoel de Lima Barbosa, sócio do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados, escreveu um artigo de opinião para o site Consultor Jurídico intitulado “A convenção coletiva do trabalho e o crédito na apuração do PIS e da Cofins”.
O artigo discute a orientação da Receita Federal, na Solução de Consulta Cosit nº 94, de 28 de abril de 2023, que nega o direito de o contribuinte creditar insumos fornecidos aos funcionários que trabalham no processo produtivo de bens ou na prestação de serviços, decorrente da norma contida em cláusulas de convenção ou de acordos trabalhistas na apuração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Confira o artigo completo:
OPINIÃO
A convenção coletiva do trabalho e o crédito na apuração do PIS e da Cofins
19 de junho de 2023, 16h22
Por Gláucio Manoel de Lima Barbosa
Em recente orientação, a Receita Federal, na Solução de Consulta Cosit nº 94, de 28 de abril de 2023 (Diário Oficial da União, 31/5/2023), nega o direito de o contribuinte creditar insumos fornecidos aos funcionários que trabalham no processo produtivo de bens ou na prestação de serviços, decorrente da norma contida em cláusulas de convenção ou de acordos trabalhistas na apuração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Eis a Ementa da Solução de Consulta Cosit nº 94/2023 da RFB:
Para o PIS/Cofins:
“REGIME NÃO CUMULATIVO. CRÉDITO. INSUMO. DESPESAS. VIABILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA. CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. Os dispêndios para viabilização de mão de obra, tais como alimentação, cesta de Natal, cesta básica (in natura ou ticket) e apólice de seguro de vida dos empregados da pessoa jurídica que trabalham no processo de produção de bens ou na prestação de serviços, não podem ser considerados insumos para fins de apuração dos créditos de não cumulatividade da Cofins/PIS/Pasep. A previsão de referidos gastos em cláusulas de convenção ou acordo coletivo de trabalho aplicável à pessoa jurídica não lhe permite a apropriação e a utilização dos créditos da Cofins nos termos do inciso II do artigo 3º da Lei n. 10.833/2003 e do PIS/Pasep no inciso II do artigo 3º da Lei nº 10.637,de 2002 […]”.
Sobre a Solução de Consulta Cosit nº 94/2023 da RFB e a Instrução Normativa RFB nº 2.121, de 29 de dezembro de 2022, mostram-se necessárias a reflexão e a ponderação diante do que determinam as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, além da Constituição de 1988.
A jurisprudência dos tribunais e a doutrina a respeito da matéria que alinha a posição no sentido de que o contribuinte tem o direito de creditar-se dos insumos empregados direta ou indiretamente, que são considerados: essenciais, relevantes, imprescindíveis e necessários ao desenvolvimento econômico da indústria, da prestação de serviços ou da fabricação, mesmo aqueles contidos em convenção coletiva de trabalho (CCT).
A sistemática das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que dispõem sobre a cobrança não cumulativa do PIS e da Cofins, introduzida no ordenamento jurídico pátrio ao definir que o contribuinte indústria, prestação de serviços ou fabricação deve recolher a contribuição do PIS e da Cofins tomando como base de cálculo a receita das vendas, porém, poderá descontar créditos de insumos. Vejamos:
Lei 10.637, de 20 de dezembro de 2002:
“Artigo 3º Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
[…]
II ‒ bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o artigo 2o da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.
Lei 10.833/2003:
Artigo 3º Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
[…]
II ‒ bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o artigo 2o da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.”
Exsurge das leis citadas no parágrafo anterior que é direito do contribuinte utilizar “como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”. Porém, a Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022 abarca o dever constitucional de normatizar e seguir o que determina a lei, orientando o contribuinte de que não deve considerar insumos os decorrentes de celebração de acordos ou CCTs. Assim:
“Artigo 177. Também se consideram insumos os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades de produção de bens ou de prestação de serviços por parte da mão de obra empregada nessas atividades.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica nas hipóteses em que a exigência dos bens ou dos serviços decorrem de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho (Instrução Normativa RFB n. 2.121/2022).”
Extrai-se do caput desse artigo que são considerados para desconto de PIS e Cofins os bens ou os serviços exigidos por normas legais ou infralegais, porém, os acordos ou as convenções coletivas como leis em sentido material, mesmo contendo o inciso II do §1º do artigo 176 a mesma norma do artigo 177 da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, que permite ser usado o crédito para abater do PIS e da Cofins o insumo que tenha por base a imposição legal. Vejamos o que determina o inciso II do artigo 176:
“II ‒ Bens ou serviços que, mesmo utilizados após a finalização do processo de produção, de fabricação ou de prestação de serviços, tenham sua utilização decorrente de imposição legal;”.
Refere essa norma que cabe ao contribuinte o direito ao crédito do insumo de todo o custo que acompanha o processo já finalizado da produção, da fabricação ou da prestação de serviço.
E a convenção coletiva é, segundo Octavio Bueno (citado por Ronaldo Lima Santos, Teoria da norma coletiva, 2. ed., São Paulo, LTr LTr, p. 169), “uma norma jurídica com força normativa […] deve ser entendida como norma jurídica de natureza econômico-profissional”, tratando-se, portanto, de ato jurídico com força normativa.
No Recurso Especial (REsp) nº 1121170/PR, o ministro Mauro Campbell relata em seu voto o que entende como “imposição legal”:
“Contudo, após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição de insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual ‒ EPI). Nesse sentido considera que deve aqui ser adicionado o critério de relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos incidirá infração à Lei.”
E o artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que a CCT é lei. Vejamos:
“Artigo 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: […]”.
Para o professor Maurício Godinho Delgado (Curso de direito do trabalho, 4. ed., São Paulo, LTr, 2005, p. 1376) se considera que:
“As convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem, consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra (Duguit) ou comando abstrato. São, desse modo, do ponto de vista substantivo (ou seja, de seu conteúdo), diplomas desveladores de inquestionáveis regras jurídicas (embora existam também no seu interior cláusulas contratuais.”
Desse modo, sendo a convenção coletiva uma lei, ela tem prevalência sobre qualquer norma legal ou infralegal, como bem define o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) nº 1121633/MG:
“[…] a convenção coletiva garante direito ao trabalhador e traz à reflexão a posição do ministro Alexandre de Moraes, em decisão no RE 1251927 com relação à prevalência do acordo coletivo com prevalência sobre a lei, assim, ‘a disposição contida no artigo 7º, do inciso XXVI, da Constituição de 1988 (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho) revela a superação da concepção paternalista que vigorava no regime anterior, no qual o trabalhador não tinha meios para se posicionar de forma igualitária ao empregador, haja vista sua posição de inferioridade. Com a criação dos sindicatos das categorias profissionais, reduziu-se a disparidade que separava o trabalhador, como indivíduo, do empresário, possibilitando às partes envolvidas no conflito trabalhista dispor de tratamento jurídico mais equilibrado’.”
E continua o ministro Gilmar Mendes no RE nº 1121633/GO, quando reforça o entendimento trazido pelo ministro Alexandre de Moraes:
“Justamente por ser clara a opção do constituinte de privilegiar a força normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho, a jurisprudência recente deste Supremo tem reconhecido que o debate sobre a validade de normas coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas possui natureza constitucional… Não se pode descurar que a própria CARTA MAGNA prevê a prevalência dos acordos coletivos de trabalho mesmo quando importe redução de direitos trabalhistas; a título de exemplo, cito o inciso VI do artigo 7º da CF, que dispõe ‘irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo’.”
Dessa forma, a respeito da teoria normativa da convenção coletiva, diz o professor Sérgio Pinto Martins (Comentário à CLT, São Paulo, Saraiva, 2018, p. 746):
“A teoria normativa procura explicar a natureza jurídica da convenção coletiva não como um contrato, mas sim de acordo com o seu efeito que será normativo, valendo para toda a categoria e não apenas para os associados do sindicato, sendo extensível imediatamente a todas as pessoas que estiverem representadas pelo sindicato. Tal teoria tem um aspecto publicístico, proveniente do corpo do cooperativismo italiano. Seriam exemplo da teoria normativa: a teoria regulamentar, da instituição corporativa e da lei delegada.”
Isso implica dizer que a convenção coletiva é lei e, como tal, pode definir que aquela categoria pode usar como crédito do PIS e da Cofins as despesas médicas com os empregados, pelo fato de que devemos obedecer ao que determina a CF/1988 no inciso II do artigo 5º:
“[…] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa senão em virtude de lei.”
Já o artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) define que a lei tributária não pode alterar definição, ela tem de manter a unidade do direito civil:
“Artigo 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição, pelas Constituições dos Estados, ou pelas leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Esse dispositivo do CTN tem por objetivo manter a unidade do direito civil em todo o território nacional e, por outro lado, tem por escopo a efetividade da outorga privativa da instituição de imposto a cada entidade política, e não pode o intérprete, ao seu bel-prazer, alterar o conceito de “insumos” e negar o direito de o contribuinte abater o custo direto ou indireto que é essencial e imprescindível e viabiliza o processo produtivo constante da CCT, que é lei.
Ao comentar o artigo 110 do CTN, o saudoso professor Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário, 14. ed., São Paulo, Malheiros, p. 82) define que:
“Aliás, o artigo 110 do Código Tributário Nacional tem na verdade um sentido apenas didático, meramente explicitante. Ainda que não existisse, teria de ser como nele está determinado. Admitir que a lei ordinária redefine conceitos utilizados por qualquer norma Constitucional é admitir que a lei modifique a Constituição. É certo que a lei pode, e deve, reduzir a vaguidade das normas Constitucionais, mas em face da supremacia constitucional, não pode modificar o significado destas.”
Assim, negar a convenção coletiva homologada pelo Tribunal do Trabalho, o mais íntimo conceito legal, é ferir o princípio constitucional da legalidade quando a norma legal que trata do PIS e da Cofins define que o contribuinte poderá descontar créditos calculados de insumo utilizado na prestação de serviço ou na fabricação de bens ou produtos destinados à venda. Enquanto o conceito de insumo está literalmente alinhado ao conceito de despesas necessárias à atividade da empresa.
O artigo 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o imposto que recai sobre a renda de qualquer natureza, define o que é despesa necessária para a empresa:
“São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e a manutenção da respectiva fonte produtora.
§1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.”
O professor Ricardo Muniz de Oliveira (“Dedutibilidade de despesas (o que é despesa necessária”), MP Editora, 2022, p. 464), em artigo redigido para a Associação Paulista de Estudo Tributário (Apet) quando se comemoraram os 100 anos do Imposto sobre a Renda no Brasil, em 2022, define que:
“[…] o equívoco de aplicação da norma reside no entendimento de que a palavra “necessidade” daria ao aplicador (agente lançador ou julgador) a liberdade para tomar a decisão sobre a necessidade ou não de todo e qualquer gasto incorrido pela pessoa jurídica. A observância da jurisprudência nos revela que adota tese que poderia ser aplicada a todas. É como se o adjetivo qualificativo representasse uma outorga de poderes ao agente público, em substituição à liberdade constitucional que as pessoas físicas e jurídicas têm para gerir seus patrimônios. E diz mais o Eminente Professor, quando o fisco ou uma turma julgadora adota tal postura, não somente fere a lei como também contraria remansada jurisprudencial, inclusive judicial, no sentido de que não é lícito ao fisco imiscuir-se nas decisões dos contribuintes, as quais, quando se trata de pessoa jurídica, competem exclusivamente aos respectivos administradores segundo as atribuições que o estatuto lhe confere.”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp nº 1.246.347/MG e no REsp 1.221.170/PR, decidiu a respeito do PIS e da Cofins que considera “insumo” a mercadoria “empregada” direta ou indireta na prestação, na produção ou na fabricação de bens destinados à venda e isso é o que vem sendo aplicado na prática pelas empresas:
“REsp 1.246.347/MG
[…]
5. São ‘insumos’, para efeitos do artigo 3º, II, da Lei nº 10.637/2002, e artigo 3º, II, da Lei n. 10.833/2003, todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação de serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes.
REsp 1.221.170/PR
[…]
2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou da relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância do determinado item-bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”
Nesse caso, o que se nega, diante da resposta à Solução de Consulta Cosit nº 94/2023 da RFB é o direito legal contido na norma impositiva denominada CCT, que garante ao contribuinte o direito de descontar créditos com insumos considerados essenciais, imprescindíveis e importantes para o desenvolvimento da atividade ou para seu processo produtivo, que são fornecidos pela pessoa jurídica aos seus funcionários que trabalham no processo de produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda e na prestação de serviços.
Portanto, o que se impõe é que no caso do insumo consumido direta ou indiretamente na produção, na prestação de serviço, na fabricação ou na industrialização da mercadoria, aquele que é necessário, essencial, relevante e imprescindível para a atividade econômica, o contribuinte tem o direito de creditar as despesas na apuração do PIS e da Cofins constantes das cláusulas da CCT ou do acordo coletivo de trabalho, por serem considerados normas impositivas.
Gláucio Manoel de Lima Barbosa é advogado, sócio do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados e pós-graduado em Direito Tributario pela Universidade Federal de Pernambuco.
*Artigo originalmente publicado no site Consultor Jurídico.