Por Alexandre Albuquerque
A reforma tributária brasileira está prestes a entrar em vigor, mas um detalhe aparentemente burocrático ameaça comprometer toda a operação: a criação do Comitê Gestor do IBS. Em setembro de 2025, ainda discutimos como instalar um órgão que deveria estar funcionando plenamente em janeiro de 2026. O problema não é técnico — é político. E se não houver solução imediata, o novo sistema tributário pode nascer já em crise.
A tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108, de 2024, marca a segunda e decisiva etapa legislativa da reforma tributária sobre o consumo. Após a promulgação da Lei Complementar nº 214, de 2025 — que definiu os contornos materiais e conceituais dos novos tributos — o PLP 108 assume o papel de detalhar a arquitetura operacional, administrativa e de governança que sustentará o novo sistema.
Entre os pontos mais sensíveis e politicamente relevantes está a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), cuja instalação tem sido travada por impasses entre as entidades representativas dos municípios. A Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), que reúne as grandes cidades, e a Confederação Nacional de Municípios (CNM), que representa a maioria dos municípios brasileiros, não chegaram a um consenso sobre o modelo de representação no Conselho Superior do CG-IBS. Esse impasse comprometeu o cronograma da reforma e reacendeu dúvidas sobre sua viabilidade operacional em 2026.
O Senado, por meio do Parecer nº 40/2025 do Senador Eduardo Braga, propôs uma solução pragmática em duas etapas. A primeira consiste na criação de um CG-IBS provisório, com representantes indicados diretamente pela FNP e pela CNM, permitindo que o órgão entre em funcionamento sem mais delongas. A segunda etapa, de caráter permanente, reduz o quórum necessário para a eleição de uma chapa para 30% dos municípios — seja em número absoluto ou proporcional à população — tornando o processo mais fluido e menos suscetível a bloqueios políticos.
Essa medida revela um entendimento importante: o sucesso da reforma tributária não depende apenas de regras fiscais bem desenhadas, mas também de uma governança institucional funcional e estável. A criação do comitê, prevista para estar plenamente operacional em 1º de janeiro de 2026, ainda está em debate em setembro de 2025 — um sinal preocupante para quem acompanha a implementação da reforma.
É preciso lembrar que, embora as alíquotas previstas para 2026 sejam simbólicas (0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS), esse primeiro ano será fundamental para a calibração do sistema. Os dados coletados servirão de base para estimativas futuras e para a definição das alíquotas efetivas que entrarão em vigor nos anos seguintes. Qualquer atraso na estruturação institucional pode comprometer a confiabilidade dessas projeções.
Outro ponto relevante do parecer do Senado foi o aprimoramento das regras de mandato dos conselheiros do CG-IBS. As hipóteses de perda de cargo foram tornadas mais restritivas, com o objetivo de proteger os membros contra pressões políticas e garantir sua independência técnica — um avanço necessário para a credibilidade do órgão.
No campo do contencioso administrativo, o PLP 108 propõe um sistema de três instâncias para o IBS: Câmaras de Julgamento estaduais, uma instância recursal e, no topo, a Câmara Superior do IBS, responsável por uniformizar a jurisprudência. A proposta busca consolidar um processo mais célere, técnico e previsível, alinhado com os princípios da segurança jurídica e da eficiência administrativa.
A inovação mais ousada, no entanto, foi a criação da Câmara Nacional de Integração do Contencioso Administrativo do IBS e da CBS, além do novo instrumento processual denominado “Recurso Especial”. Essa câmara terá competência para julgar divergências entre decisões do CG-IBS e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), sempre que estiverem em jogo normas comuns aos dois tributos. Trata-se de uma tentativa de harmonizar interpretações e evitar conflitos jurisprudenciais que poderiam gerar insegurança para contribuintes e administradores públicos.
Diante de tudo isso, é inevitável reconhecer que a reforma tributária brasileira, embora ambiciosa e tecnicamente sofisticada, ainda enfrenta desafios políticos e operacionais que ameaçam sua plena implementação. O tempo é curto, e os ajustes finais exigem não apenas precisão legislativa, mas também maturidade institucional. A reforma não pode ser refém de disputas de última hora. É hora de consolidar o que foi construído, garantir a governança e preparar o terreno para um novo modelo tributário que, enfim, seja capaz de promover justiça fiscal, simplificação e eficiência.
- Alexandre Albuquerque é tributarista, sócio do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados