O site Movimento Econômico conversou com o nosso sócio, Alexandre Albuquerque, sobre as repercussões que a reforma tributária trará para o Nordeste.

Na última terça-feira (17), a Câmara dos Deputados aprovou o PLP 68 e rejeitou as mudanças feitas no Senado.

Com a reforma tributária, os principais incentivos fiscais para as empresas se instalarem no Nordeste, que ocorrem via Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo recolhido pelos Estados, serão extintos.

Confira a matéria completa:

Do emprego ao ambiente de negócios, reforma tributária traz preocupações ao NE

Com a aprovação da regulamentação da reforma tributária, o fim dos incentivos fiscais e o aumento do imposto para o setor de serviços trazem cenários preocupantes para o NE

Da Redação ME

redacao@movimentoeconomico.com.br

Advogado tributarista Alexandre Albuquerque fala sobre o fim dos incentivos fiscais via ICMS que vai ocorrer com a reforma tributária. Foto: Divulgação/Ivo Barboza

O advogado tributarista e sócio do escritório Ivo Barboza Alexandre Albuquerque diz que com a aprovação da regulamentação da reforma tributária (PLP 68) é chegada a hora dos governadores do Nordeste pararem para refletir sobre o modelo de desenvolvimento que querem para a região a partir de 2033. “É preciso passar uma mensagem pós fim dos incentivos fiscais e sinalizar como será o funcionamento do ambiente de negócios. Quem vai implantar uma fábrica em 2033, já está decidindo hoje”, explica.

Desde a década de 1990, os principais incentivos fiscais para as empresas se instalarem no Nordeste ocorrem via Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo recolhido pelos Estados e que será extinto pela reforma tributária. Estes descontos do ICMS pelos Estados também ficou conhecido como guerra fiscal.

Para entrar em vigor, foi aprovada a regulamentação da reforma tributária na terça-feira (17) pela Câmara dos Deputados depois de passar pelo Senado. Com a finalidade de simplificar a arrecadação, a reforma tributária criou o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual por meio de dois tributos: a Contribuição de Bens e Serviços (CBS), do governo federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que será administrado conjuntamente por Estados e Municípios. Atualmente, cada Estado e município pode dar o desconto que quiser tanto no ICMS como no ISS, tributo municipal.

“Com a reforma tributária, a indústria do Nordeste vai ter que competir de igual para igual com a indústria do Sudeste/Sul, principalmente as que produzem bens de maior valor agregado”, comenta Alexandre, se referindo a bens como, por exemplo um veículo, uma geladeira, entre outros. “Estas indústrias vão tender a buscar regiões mais próximas da fabricação dos seus insumos”, explica. Ele acrescenta também que as fábricas de produtos de valor agregado pequeno, como por exemplo, biscoitos ou produtos de limpeza, já são regionalizadas porque não aguentam o custo do transporte em grandes distâncias.

Segundo Alexandre, “a única região que continuou com uma política fiscal mais favorecida foi a Zona Franca de Manaus”. A reforma tributária também criou um Fundo Nacional de Desenvolvimento que terá como um dos indicadores do rateio dos recursos o percentual da população. Isso significa que regiões mais populosas, como o Sudeste, devem captar mais verbas deste instrumento de desenvolvimento. Na proposta inicial da reforma tributária, este fundo seria usado para compensar o fim da guerra fiscal entre os Estados do Nordeste, mas isso foi alterado numa das primeiras tramitações na Câmara dos Deputados.

Alexandre sugere que uma das soluções que poderiam compensar o fim dos incentivos lastreados no ICMS no Nordeste seriam a criação de fundos estaduais de desenvolvimento bancados pela arrecadação dos Estados que vão continuar arrecadando o IVA, quando a reforma entrar em vigor. “O que não pode é sinalizar ao mercado que isso só vai ser resolvido em 2033”, conclui Alexandre.

A regulamentação da reforma também retirou a redução de 60% dos tributos a serem pagos pelo setor de saneamento. “Isso é ruim para a região. Tínhamos a esperança de ter um saneamento mais barato. No Nordeste, o saneamento precisa ser uma atividade incentivada para avançar. Essa tributação adicional traz mais dificuldades para os Estados do Nordeste que terão que investir num serviço que vai ficar mais caro”, revela.

O Nordeste vai precisar de grandes quantias de investimento para cumprir o Marco Legal do Saneamento que prevê a universalização dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto em 2033.

Também tributarista, o professor de direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Eric Castro e Silva diz que a aprovação da regulamentação da reforma tributária cristalizou a neutralidade. “A redução do tributo não será mais o fator para a decisão econômica”, afirma se referindo aos descontos dados via ICMS. “A neutralidade não é boa para o Nordeste, porque significa mercado e a região não tem mercado para competir com o Nordeste”, conclui. Ele sugere que uma das soluções pode ser melhorar a infraestrutura de rodovias, portos, aeroportos e trens para transformar Pernambuco num centro logístico competitivo.

Impacto da reforma no emprego

Depois de aprovada, o texto da regulamentação da reforma tributária segue para ser sancionada pelo presidente Lula (PT). Embora o texto da reforma tributária prometa modernizar e simplificar o sistema de arrecadação de tributos no Brasil, os setores de serviços, como o comércio, temem uma diminuição da competitividade que pode chegar a atingir os empregos na região.

Economista da Fecomércio-PE, Rafael Lima, alerta que “o setor poderá sofrer incidência completa do imposto, o que pode comprometer o faturamento e o volume de serviços ofertados à sociedade”. Ele frisa que o setor de serviços, que possui uma operação mais imediata e com menor extensão na cadeia de produção, tende a ser impactado de forma mais direta e intensa pela sanção da nova legislação.

De acordo com a Fecomércio-PE, os setores de comércio e serviços, que representam mais de 70% da economia estadual, desempenham um papel essencial tanto no mercado regional quanto nacional. Esses setores registraram um saldo de 198.728 vagas de emprego no período de janeiro a outubro deste ano no Nordeste, segundo informações do Caged, que indica o emprego formal. Neste mesmo período, o saldo de empregos na região ficou em 294.934 postos de trabalho.

“A maior preocupação está na cadeia de produção do segmento de serviços. O modelo de imposto proposto na reforma é diluído ao longo de toda a cadeia de produção, beneficiando mais setores como a indústria, que possui cadeias produtivas mais extensas, e, em menor grau, a agricultura”, explica Rafael.

Segundo o economista, “é essencial tratar o tema com cautela e segurança, para evitar prejudicar o setor que mais emprega e contribui com o PIB nacional. A reforma tributária, se não for cuidadosamente analisada, pode afetar a taxa de ocupação, o faturamento e até a sobrevivência das empresas do setor.

Já na visão do presidente do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac-PE, Bernardo Peixoto, o Brasil já é um país difícil para o empresário. Com a reforma, é necessário se atentar e criar medidas que deem suporte aos gestores. “Nós acompanhamos mais de 1 mil projetos de lei que impactam negativamente o setor de comércio, bens, serviços e turismo em todo o país. São mais de 1.030 projetos, e apenas três têm algum impacto positivo no sistema”, comenta Peixoto.

De acordo com Peixoto, no Nordeste, onde a economia depende fortemente dos setores de comércio e serviços, a implementação da reforma tributária exige um olhar apurado para mitigar impactos negativos e garantir a competitividade das empresas locais. “Precisamos nos preparar e estar sempre atentos”, alerta.

Com a aprovação pela Câmara dos Deputados, um dos projetos de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/2024) segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A implantação da reforma vai ocorrer gradualmente a partir de 2026. Entre as medidas previstas estão regimes que estabelecem a redução ou isenção de tributação, a devolução de tributos para consumidores de baixa renda, como o cashback.

MATÉRIA ORIGINALMENTE PUBLICADA NO SITE MOVIMENTO ECONÔMICO.